(...) Pela consistência e pelo
peso, apercebera-se imediatamente de que não era de esperar nada de bom do
embrulho que a mãe lhe fizera escorregar para as mãos. Desembrulhara-o
lentamente, com circunspeção, como se lá dentro estivesse uma bomba prestes a
explodir. Quando, em vez das sapatilhas, lhe apareceram dois livros de capa
luzidia, não aguentou mais e desatou a chorar, tal a raiva que sentia. No rosto
dos pais estampara-se uma grande desilusão.
Meu anjo ― dizia a mãe ―, não é preciso chorares agora, choras depois de
os teres lido.
-Olha! já viste que lindas ilustrações coloridas? dizia o pai,
prazenteiro.
Leopoldo tinha-os atirado ao chão
com raiva e, batendo com a porta, tinha-se ido refugiar no quarto.
Desde que nascera que, pelo seu
aniversário, não tinha recebido senão livros. Primeiro, livros fofos de pano,
depois, livros com grandes desenhos e poucas palavras, depois, ainda livros,
mas com muitas palavras e poucos desenhos. Da sua cama, ao erguer o olhar, não
conseguia ver senão estantes e estantes cheias de livros e, de todos esses
livros, não havia sequer um que ele tivesse desejado.
Pouco depois, naquela mesma
tarde, quando a mãe com voz persuasiva, por detrás da porta, o fora convidar
para apagar as velas do bolo, ele gritara:
Apaguem-nas vocês! ― e depois,
para não ouvir mais nada, enfiara a cabeça debaixo do travesseiro.
Estava triste e furioso.
Parecia-lhe impossível que os seus pais, após oito anos de convivência, não
conseguissem perceber que os livros não lhe interessavam para nada! Que os pais
gostassem, tudo bem, mas não era por isso que ele haveria de gostar.
Bastava-lhe olhar para aquela
superfície branca cheia de gatafunhos pretos, para que a cabeça lhe começasse a
andar à roda como se fosse um carrossel.
No ano anterior, a mãe,
preocupada com os seus péssimos resultados escolares, tinha-o inclusivamente
levado a um psicólogo. O psicólogo tinha-lhe feito imensas perguntas, tinha-o
feito brincar com uns cubinhos de plástico e depois, no fim, tinha dito:
Papirofobia, mais um caso de
papirofobia.
(...)
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